"Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente." ~ Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Dialogando com a Ilusão - Vestígios



A luz dos seus olhos ainda queimava os meus. Senti-me tonta e totalmente incapaz de desviá-los. Eu mais que queria permanecer ali. Eu precisava. No peito doía a angústia e o gosto amargo da rejeição confrontava com o orgulho. Fingir não é fácil. O autocontrole exigiu muito de mim e quase (apenas quase) cedi às minhas frustrações diante dele.
Provavelmente, ele não percebeu. Uma mistura de sensações nada boas represou-se na parte mais obscura da minha alma. A raiva era uma semente miúda brotando. Eu era capaz de sentir cada estalo dessa semente germinando, crescendo, até que não pude mais resistir. Fechei os olhos e parei de encará-lo.
Acho que ele disse alguma coisa só que eu estava tão absurdamente mergulhada no mar negro e assustador da desilusão, que não entendi.  Derrotada pela humilhação, cedi o nó da garganta.
“Tudo bem”. Foi Apenas o que consegui dizer.
“Não quero magoar você”.
“Não”. Gritei. Estretei os olhos ao vê-lo levantar aquelas malditas sobrancelhas a despeito de minha raiva. “Não faça isso. Dê espaço à hipocrisia na sua vida. Fique com ela e faça bom proveito.”
“Mas o quê...?”
“Se você vem com aquele discurso estúpido de que ah-você-merece-alguém-melhor-do-que-eu, dane-se”. Interrompi-o. O jeito que ele me olhou, assustado e impotente - isso filho da puta, vou acabar com você – entregou-o.
“Tinha um discurso pronto, hãm? Canalha! Muito típico de você”
Soltei um riso de deboche, virei-me apressando o passo. Eu tinha que sair dali. Mesmo com toda aquela raiva, estava insegura, vulneravelmente passível a engolir cada palavra de volta. Aqueles olhos. Como pude ser tão idiota? É claro que ele falaria isso!
Ouvi passos pesados atrás de mim. Tentei correr. Tarde demais. Suas mãos alcançaram meu cotovelo esquerdo, virando-me de forma brusca, deixando-nos numa posição muito.... Perto demais.
“Helena, as coisas não precisam ser desse jeito. Adoro você. Quero ser... Puxa vida, nós podíamos ser amigos. Apenas amigos.”
Amigos? Em que planeta ele está? “Não vou pra cama com amigos, Lúcio.” Minha voz começou a vacilar e me amaldiçoei por isso. De alguma forma, a tristeza e a dor ofuscaram a raiva e, de repente, perdi a defensiva. Acabei desarmada pela perigosa proximidade de nossos lábios. Não havia porque continuar remando contra a maré. Eu sempre soube que pisara em campo minado ao ter saído com ele. O alerta estrindente berrava na minha cabeça. Perigoso! Perigoso! Eu só esperava que ele percebesse que eu não era uma mulher qualquer. No entanto, fui enganada pelas expectativas.
Perdi. Aceitei isso. Lúcio ainda mantia seu olhar fixo em mim. Odiei o olhar desvendador. Ele parecia ter escaneado todos os sentimentos de minha alma. No dele, lia apenas piedade. Decidi que não precisava disso.
Busquei dentro de mim uma máscara para disfarçar minha desolação, mas sabia que era inútil. Com ele era. Nocauteada, assumi meus sentimentos. Eu lidaria com a autopiedade depois. Superaria isso.
“Eu agora estou inteira, sabe?” Lúcio, não disse nada. Suas mãos ainda seguravam meu cotovelo com firmeza mantendo-nos ainda perto, perigosamente perto, o que tornava ainda mais difícil falar. Percebi que o seu olhar de compaixão mudou pra uma certa curiosidade e se manteve atento conforme as palavras saiam da minha boca.
“Quando eu me apaixonei por você foi como se uma parte de mim tivesse desprendido para estar sempre com você. Esta parte, Lúcio, você escolheria se aceitaria ou não.” Suas mãos por um momento afrouxaram-se do meu braço, mas subitamente garantiram firmeza outra vez. Por que ele não me solta? Meus impulsos estavam totalmente absorvidos pela calma. Isso me fez sentir segura nas palavras que saíam. Não seria sincera se eu dissesse que não doía. Por isso, rendida pelo sal líquido que definitivamente delineava meu rosto, inspirei fundo, soltei o ar vagorosamente e continuei: “Agora que fizeste a tua escolha, esta parte está juntando-se a mim outra vez. O que dói, não é a fusão, mas os vestígios de você que vem junto com ela.”
“Do que você está falando”? Lúcio, tinha uma expressão confusa agora, mas ainda mantinha o olhar o interessado e seu rosto perto, muito perto. Perto demais. Olhei para ele mais profundamente quanto pude, deixando que o silêncio pudesse explicar mais do que mil palavras. Rompi as amarras que me impediam de ousar e o beijei. Beijei. Ardentemente. O meu beijo mais apaixonado respondendo qualquer outra pergunta não verbalizada por ele.  Relutante no começo, aos poucos ele foi cedendo ao beijo que eu o faria entender. Sua língua foi tornado-se impetuosa e indecente em minha boca. Sua respiração tornara-se tão pesada quanto a minha. O restante do espaço que existia entre nós, fora totalmente preenchido pela luxúria. Perdi a noção de tempo, lugar e pessoas. Nada existia. Só nós dois. E uma parede. Certamente uma parede materializou-se ali. Lúcio gemia baixinho na minha boca. Suas mãos exigiam os lugares mais proibidos. Cada célula do meu corpo respondia com louca paixão ás suas carícias.
Foi com muito esforço que consegui empurrá-lo. Por dois motivos: primeiro porque ele demonstrou bastante resistência e, segundo porque eu também não queria soltá-lo. Lúcio por um momento insistiu, mas o empurrei. Sorri quando vi que ele tinha aquele olhar sedento de desejo. Ele devolveu o sorriso. Por um segundo, quase cedi. Quase.
“Do que estou falando, Lúcio”? Devolvi a mesma pergunta que ele havia feito. Levantei as sobrancelhas e respondi antes que ele dissesse alguma coisa: “Estou falando disso que acabou de acontecer. A parte de mim que você despreza parece ser ironicamente incapaz de ir embora."
Percebi a compreensão sobressaltar um brilho nos olhos dele. Sorri. Dei a volta. Segui meu caminho. Sem olhar para trás.

By Pollyanne Medeiros
adendo: img da web

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