"Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente." ~ Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Dialogando com a Ilusão - Parte III - A Taça de Vinho





Outras idéias, outros planos, um cigarro pela metade, cachos longos presos num "rabo de cavalo". Tronco recostado no peitoral da janela, olhos marejados desafiavam a noite escura a fazê-la dormir. Passos pela sala fez-na sentir calafrios. De novo, não. Antes mesmo que pudesse reagir a névoa já rodeava seus flancos, materializando-se num calor familiar.
Um dos perigos de querer estar só era exatamente a sua pouca – ou nada – resistência em manter-se lúcida. Lembrou-se da última vez em que o viu naquela praia. Aquela praia. Nostalgia. O ponto de partida pra que o véu do passado ignorasse seu afã em esquecer. Impossível. E, ainda olhando para o céu pode desenhar como em uma tela, quadro a quadro, suas lembranças. Os dois. Só nós dois. Pele com pele. Lábios com lábios. Sexo com sexo.  Ousadia e tesão misturados fizeram-na perder o pudor. A praia. Só nós dois.
“Vem comigo e não tem medo, disse-lhe.E, não teve.
Estava tão concentrada nas lembranças que nem sentiu ele se aproximar. Afastou seus cachos que lhe cobria a nuca e deu um beijo de leve subindo até a parte de trás da orelha. Ele sabe como me render. As pontas dos seus dedos faziam uma trilha perigosamente delicada nos seus braços nus. Deveria ter ficado constrangida ao sentir que seus pelos eriçaram, mas ela estava gostando disso e ele sabia.
“Está tentando me enlouquecer?”
“Ainda não está louca?”
“Posso mudar de idéia se eu quiser.”
“Hum... Eu não vou deixar.” Sua voz era tão envolvente tanto quanto cada toque que ele projetava em seu corpo. Ela sequer resistia a um olhar dele por mais desinterassado que fosse. Aos poucos foi sentindo seu corpo queimar. Ele ainda brincava em seu pescoço dando beijinhos de leve, provocando-a, aquecendo-a, enebriando-a. Gemeu.
“Quer mais?”
Helena sorriu e virou-se de frente pra ele, aproximando seus lábios sem se tocarem. Envolveu o pescoço dele numa carícia suave com uma das mãos, puxando-o para mais perto de seu domínio secreto, enroscando seu corpo no corpo dele, abraçando os seus quadris com uma das pernas, proferiu-lhe numa voz sussurrante e quase sem fôlego: “Mais.” O beijo foi ardente. Um convite para a cama. Um convite para o pecado. Não se sabia mais quem estava mais sedento. A fonte transbordava e o apelo sensual de suas provocações liberou as mais perigosas fantasias.
“Quem é mais louco?”
“Você.”
“Eu gosto disso.”
“Eu sei”.
Helena rendia-se como sempre. E o pecado que se consumava entre os dois era algo permanente. Sua loucura não a levava muito longe, exceto quando a única coisa que lhe pertencia que era somente o que ele poderia dar-lhe, permitia-se ir mais longe, perdendo seus pudores, ignorando os seus princípios. Era difícil sobrar alguma lucidez quando ele estava assim tão faminto, explorando seus domínios. Ela o queria. Ele a queria. Isso era tudo. Fogo e água. Um acendia, outro apagava. Um queimava, outro aliviava. Não importava quem assumia os papéis. Os dois consumiam o desejo como uma taça de vinho a ser bebido. Quente. Inebriante fragância.
“Tua boca”.
“Te cheiro”.
“Pele...”, ahhhhhh...
...
Nem um gole. A taça de vinho jazia espatifada no chão do seu quarto. Estava sozinha. Malditas lembranças. Pseudo-lembranças. Lutar para que o seu coração não tivesse o mesmo destino que a taça aos seus pés custava-lhe mais do que juízo, mas seu valor. Enloqueceria. Ela sabia disso. Um convite mudo das chaves do carro fez-na despertar pro mundo lá fora. Sairia de casa e, transfomaria o envolvente diálogo na recordação perfeita, uma tatuagem perfumada na sua pele... E ela foi!


by Pollyanne Medeiros


Adendo: Img da web

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