"Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente." ~ Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Coleções de Esperanças - Conto: Tarde sombria

“‘Não, meu bem, não adianta bancar o distante, lá vem o amor nos dilacerar de novo... ’ (...) Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal.” Caio F. Abreu, Pequenas Epifânias, Conto: Extremas da Paixão.

Pequeno prefácio de uma tarde sombria...


Tarde nublada. Nenhum telefonema, torpedo ou qualquer coisa que transformasse o tempo. Olhava-se no espelho e desejava maquiar a própria alma. Um blush para esconder a palidez, um corretivo pra disfarçar as cicatrizes, um batom pra pintar um sorriso e, assim, quem sabe conseguiria enganar a si mesmo que estava bem. Tudo bem. Sua alma tão transparente que olhando a si mesma o espelho converteu-se em pequenos pedaços de alma... Alguns pequenos, outros grandes, uns quase um grão de areia, mas ainda assim, perigosamente pontiagudos, cortantes e ameaçadores.
Onde ele está? Perguntava-se constantemente. Por que não ligou, não me procurou? Sentia sua intuição responder-lhe. A lógica tão próxima e quase palpável a fez rebelar-se. Um istinto protetor àquilo que sempre a alimentou. Não mexa nas minhas coleções! E o juízo de sua intuição não cedia. Ele só usou você. Usou você. Usou você... O eco estridente a fez escorregar contra a parede com as mãos lhe tampado os ouvidos como se aquilo pudesse silenciar a voz que a alertava que deveria desistir. Cale-se. Por favor, cale essa boca! O sal começou a deixar frágieis trilhas na sua face. Ela não queria, jurava que não queria. De novo, não. Não desta, vez.


Antes do entardecer...


Estava atrasada para a faculdade. O dia estava lindo. Tudo parecia fazer sentido tão lindamente que se despreocupava com alguns minutos de atraso. Foi pra parada de ônibus sem pressa. Cada centímentro de seus passos acampanhava sua respiração. Podia sentir o sorriso bobo manifestando a tão presente felicidade. Algo novo. Alguma coisa muito boa estava acontecendo. Lembrou-se de um jardim em início de primavera. Sim. Era isso que estava acontecendo. E, por isso, o dia estava tão lindo. A primavera finalmente chegou.
Na faculdade, nem percebeu que estava ainda sorridente pro seu próprio mundo. Abriu a porta da sala, seus colegas e a professora a olharam com admiração. “Nossa, me empresta um pouco desse sorriso?” Disse um deles. Betina sentiu que a felicidade que a consumia por dentro criou uma espécie de ponte e ela abriu passagem a todos a sua volta. E, todos decidiram atravessar. “Estás tão bonita hoje!”, falou Dany, uma colega de faculdade que acabou tornando sua amiga confidente junto com Andréia nos dias de tempestade. “É, eu acho que sim. Sinto-me bonita hoje. Isso deve fazer alguma diferença.”, disse Betina entre sorrisos tímidos. A professora pediu que a turma voltasse a atenção à aula e, diringindo um sorriso a Betina, falou:
- Parece que você trouxe um bem-estar pra sala, Betina, mas gostaria de voltar a ser o centro das atenções se não se importa.
Betina retribuiu o sorriso e, enviou um silencioso “desculpe” á professora. Recebeu um condescendente olhar seguido de um “Tudo bem!”. Sim, pensou Betina, está tudo muito bem! Supirou. Vieram-lhe as lembranças da noite anterior. A dança, o beijo... Ah, o beijo. O princípio de tudo. Não conseguia parar de pensar naquele primeiro beijo. O beijo que desenhou loucuras na sua pele e... Ploc!"Ai!".  Sentiu um pequeno golpe na cabeça. Confusa, olhou para trás, seus colegas riram a despeito da segunda advertência de uma já impaciente professora. “Olha pro chão, lerda!”, sussurrou Andréia apontando para o chão a sua esquerda. Lá havia uma borracha com um papel preso nela. Betina juntou e leu a mensagem.


B,
Acorda lerda. Volta pro planeta Terra e presta atenção na aula! Outra coisa: Não vamos aguentar até o intervalo para saber o motivo desse sorriso idiota na tua cara. Exigimos uma explicação por escrito agora. JÁ! Please?
D e A.


Betina sorriu. Primeiro decidiu não contar nada a elas, ainda, só por ter sido chamada de lerda duas vezes. Porém, ponderou um pouco mais e resolveu contar-lhes já que as duas sempre foram boas amigas.


D e A,
Acho que finalmente fui emboscada pelo amor. Não há saída. Ontem tive uma noite perfeita. Não fomos mais além, mas ficou um gostinho de quero mais. E, eu quero mais. Só tem alguns probleminhas, nada que eu não possa lidar. Os detalhes eu conto depois, no intervalo. Prometo!
B.

Devolveu o bilhete. Sentiu uma vontade súbita de cabular aula. Estava realmente em outro planeta e prestar atenção à aula estava sendo realmente uma tarefa muito complicada. Seus pensamentos dançavam a música perfeita com a pessoa perfeita.
Uma semana se passou. Mais uma vez a tarde sombria manisfestava-se na vida dela. A diferença era que dessa vez ela queria que fosse diferente. E ela fará a diferença acontecer. Não permitiria que suas coleções fossem adulteradas. Permaceu assim, anos lutando contra a voz insolente da intuição. Até hoje. Até o pra sempre.


By Pollyanne Medeiros.



Adendo: img internet

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