"Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente." ~ Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A flor


Caminhava. Pensamento preso numa janela a qual há muito tempo envia um convite para atravessá-la. Ignorei. Por ora, ignoro. Esbofeteio duas caras limpas de uma vez só. Dormem, idiotas. Não tenho asas, mas tenho pés. A poeira também tem seus efeitos bons. Tardios, eu sei. Nocivos, talvez. Dolorosos, até. No entanto, não há nada mais compensador do que às margens de um lago lavar a face e sentir a brisa do vento prosear com seus traços delicadamente. Sem velocidade, sem pressa alguma.

Numa estradinha de terra, passos lentos e pouco seguros, eu seguia. Eis que,vi um lugarzinho remoto, pouco sofisticado e, lembrou-me muito a pequena fazenda de um tio. A casa bem humilde. A janela da frente, dava pra varanda. Era noitinha. Uma cortina dançava no ar, movida pelo vento. Uma luz de vela clareava o local. Havia alguém. Mais de um alguém. Parei. Fiquei observando. Meu coração disparou. A cena tão simplismente linda de se apreciar. Duas crianças brincavam de fazer bichinhos com a sombra projetada pelo pequeno feixe de luz. De longe podia ouvir as risadas. Tão felizes estavam. Senti muita vergonha de meus monólogos pessimistas.Continuei andando. Cada metro alcançado eu sorria com uma sincera vitória. É. Quanta coisa linda a ser reverenciada.

O céu noturno estava encoberto de nuvens insinuadamente hostis. Chuva. Alcançou-me alguns metros adiante. Não me importei. Pra quê? Vez em quando é necessário lavar a alma. Uma proteção sempre virá no momento certo. E veio. No mesmo lugar remoto. Avistei um estábulo. “Olá?”. Não havia ninguém. “Olá? Alguém aí?” , insisti. Sem ninguém, mas a porta estava aberta. Entrei. Um cavalo baio estava ali. Ignorou minha presença. Recostei-me num canto. Esperei a chuva passar. Adormeci. Permiti-me. Precisava de descanso.

Minhas pálpebras timidamente abriram-se. Meus olhos incomodados um pouco com um raio de luz que escapava pela fresta de uma das tábuas que erguiam o pequeno estábulo. O cavalo não estava mais lá. Minha supresa: Um copo de leite e um pedaço de bolo de fubá colocado cuidadosamente num prato bem ao meu lado. Engraçado... Não sentia fome, mesmo assim, quem quer que os tivessem deixado ali foi muito gentil. Foi o leite e o pedaço de bolo de fubá mais delicioso que já provei na minha vida. Sorri. Levantei decididamente pra continuar meu caminho. Outra surpresa: A porta do estábulo estava trancada. Por um momento, apenas por um momento senti desespero. Alguns suspiros depois, lembrei-me do raio de luz que me despertou. Fui até ele... Sim, eu tinha errado o caminho. Aquela porta fechada não era a mesma porta pela qual eu havia entrado na noite anterior. Alívio e alegria, juntos.

Forcei a porta para abri-la. A paisagem mudara drasticamente. Não lembrava nada a noite chuvosa da noite que passou. Mais um sorriso. Outro mais. Avistei a humilde casa a qual observei as duas crianças brincando. O Baio galopeava no campo tão belissimamente verde. As duas crianças encontravam-se agachadas alguns metros adiante. Não pude ver muito bem o que faziam. Uma delas levantou-se e virou em minha direção. Falou alguma coisa e a outra criança também olhou. Olharam-se, falaram alguma coisa, agacharam-se novamente e correram até a mim. Pararam subitamente diante do meu olhar surpreso. Sorriram. Uma delas ergueu a mão à posse de uma flor e a outra disse: “Uma lembrança da noite que passou.” Um sorriso dentro do meu coração transpareceu em meus olhos. As duas crianças soltaram um lindo sorriso sonoro e, satisfeitas, ambas correram até o baio que, parecia estar esperando por elas. Montaram-no e, seguiram rumo ao lado oposto à estradinha a qual eu caminhava.





Moral da história: Nunca estaremos sozinhos num momento difícil. Até mesmo depois da chuva, uma flor pode nos fazer sorrir.

By: Pollyanne Medeiros.

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