A praia estava lotada. Havia muito barulho e Helena não se sentia uma boa companhia. Afastou-se da multidão para abstrair. Há alguns dias havia decidido que passaria o reveillon em casa, sozinha e assistindo algum filme baseado nos livros de Nicholas Sparks. Estava sentindo-se instrospecta demais para se misturar socialmente, mas seu quarto naquelas poucas horas antecedentes ao ano novo tornou-se um ambiente hostil e a última coisa que queria era virar o ano claustrofóbica. Ainda dá tempo de chegar á praia, pensou.
Não se incomodou em arrumar-se muito. Pegou as chaves do carro de cima do criado-mudo. O celular de repente tornou seu inimigo mortal. Você não merece essa regalia. Vai ficar em casa.Virou-se e com passos decididos seguiu até o carro prometendo a si mesma que se esforçaria, faria alguma coisa pra se distrair. Quando chegasse à praia procuraria por alguém conhecido. Dentro dela uma voz irritante praticamente gritava que isso não funcionaria. Pelo menos, não na praia, não exatamente naquela praia. Sou mesmo uma idiota.
Apesar do arrependimento de estar ali, ao menos algo ela sabia que poderia fazer. Pensar. Afastou-se apenas o suficiente até que os sons de música misturada ao vozerio da multidão ficassem amenos e o fluxo de pessoas mais reduzido. Havia alguns casais por ali. Perfeito. Ironicamente perfeito.Deitou-se na areia. Sequer seus olhos voltaram-se para a belíssima abóboda, o choro contido por dias ameaçava romper as represas. Dói. Porque tem que doer tanto? Fechou os olhos e se permitiu e, chorou, soluçou, lembrou – lembrar não doía tanto – o que a despedaçava era não sentir esperança. Aos poucos o alívio se aproximava... Ele vinha. Sempre vinha. Então, ouviu:
“Sabe, existe uma tecnologia muito conhecida chamada celular?! Fica muito difícil hoje em dia contatar alguém sem ele.”
Oh, meu Deus! “Sim, eu sei. Contudo, a referida tecnologia não se aplica quando alguém não quer ser incomodado!”, disse rispidamente. Não. Definitivamente não. Vá embora! Apertava os olhos com força desejando que ele realmente fosse embora. A última coisa de que precisava era ter que lidar com as dolorosas manchas de névoa no seu primeiro dia de ano. Não pode ser mais forte que eu. O perfume de Lúcio foi tomando espaço. Não precisava abrir os olhos para ver que ele já estava deitado ao seu lado. Facilmente podia imaginar a imagem dele com os braços cruzados apoiando a cabeça e um sorrisinho discreto sendo observada pelo cantos de seus olhos. Recusava-se ainda a abrir os olhos, mas não resistiu muito tempo.
E, como imaginava, Lúcio a contemplava pelo canto dos olhos com o mesmo sorrisinho discreto que lembrava. De repente, Helena viu sua irritação dissipar-se. Naquele momento parece que ambos decidiram assumir o silêncio, olhando o céu compor música com estrelas. Uma música chamada “nostalgia”... Pelo menos, para ela. Cada brilho sublinhava uma nota e tons diferentes que de alguma forma fazia Helena querer mais, muito mais que estar ali apenas deitada ao seu lado esperando que a qualquer momento a névoa dissolvesse o restinho de esperança que se escondia dentro dela.
O silêncio foi tomando forma, vida e calor. Com gentileza Lúcio ofereceu o seu braço para que recostasse sua cabeça. O céu ainda cantava. Um eco de palavras não ditas desenhava um belo quadro em que a moldura perfeita era apenas o momento presente. Nada além do presente. A areia sob dois corpos nada significava. As pessoas ao redor nada significavam. As cortinas da ilusão serem rasgadas pela realidade também nada significavam. Os dois estavam ali. Juntos. “No que você está pensando?”, perguntou Lúcio. Helena sorriu. Sorriu de verdade. Nesses momentos sempre era ele quem rompia o silêncio. “O quê?”, insistiu ele.
“Estou conversando com uma estrelinha”, respondeu.
“O que vocês tanto conversam?”, Lúcio ingadou outra vez.
“É segredo”.
“Por favor? Vou perguntar pra ela”.
“Hum. Bem, a estrelinha é minha, e pra ela falar com você, eu preciso dá permissão”.
“Ah, não vale. Então, vou conversar com a minha estrelinha agora”.
Helena quase podia tocar a felicidade. Apenas quase. Virou o rostou para observar um Lúcio muito pensativo e podia jurar que , bem... Sonhador.
“Lúcio”?
“Shhhh”.
Eu o amo tanto.
“Fiz um pedido pra minha estrelinha. Na verdade, pedi um conselho”.
Lúcio ergueu-se do chão e sem tirar o braço debaixo da cabeça dela, posicionou o corpo apoiando-se de lado para que pudessem ficar cara a cara. Com a mão desocupada fez um toque carinhoso em sua bochecha que a fez sentir inexplicáveis sensações fluírem em seu corpo. E, ficaram assim por longos segundos. Olhando-se, desvendando-se...
“Conselhos”?, Helena perguntou sem ter certeza de que ela queria continuar a conversa.
“Sim”, respondeu-lhe Lúcio, simples e laconicamente ainda encarando-a. Este olhar que a fazia imergir em perigosas águas. Sentiu a pele do rosto ficar cada vez mais quente. Arfou.
“Nossa!”, finalmente conseguiu dizer. Ela queria remexer-se, fazer alguma coisa, alguma desculpa para desfazer aquela posição que o mantinha tão perto. Não. Ela não queria. Para sua surpresa, Lúcio voltou para a posição anterior, vagarosamente. Continuou fitando o céu. Alguns segundos depois...
“Eu disse a ela que quero muito fazer algo, mas não tenho tanta certeza se eu devo. Perguntei o que ela achava.”
“E?”
“Ela riu da minha cara.”
“Sério?”, perguntou Helena entre gargalhadas.
“Aham. Ela também disse que devo perguntar pra sua estrelinha.”
Helena mal podia acreditar o que via nos olhos de Lúcio. Eu devo estar louca. Impossível! Estava ali. Estava ali mesmo. Sim, o amor que ela tanta pedia, tanto queria. “Lúcio, o que sua estrelinha disse pra você?”
“Conte-me.”
“E-e-u não posso Lúcio.”
Houve alguns segundos silenciosos. Helena apertou os olhos com a maior força que pôde. Vá embora. Vá embora. Sentiu o toque caloroso das mãos de Lúcio acariciar a ponta de seu queixo. Com delicadeza a puxou para mais perto de seu corpo. Colocou os lábios bem próximos ao seu pé de seu ouvido e sussurrou: “Eu te dou minha permissão"!
Tão frágil estava sua resistência. Tão perto estava da insanidade mas, bastava um segundo a mais. Só um pouquinho pra lucidez libertá-la da ilusão e, foi assim que aconteceu. Helena abriu os olhos, o céu estava brilhante. Estrelas e fogos de artifícios faziam festa enquanto as lágrimas salgavam a pele do seu rosto. Ao seu lado, o vazio, a névoa e pequenos fragmentos de esperanças.
Pollyanne Medeiros.
Adendo: img da web
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